El desafío de construir datos sobre feminicidios en Brasil

Por: Laboratório de Estudos de Feminicídios – OSC miembra del Mapa Latinoamericano de Feminicidios

Este artículo forma parte del último informe publicado por el Mapa Latinoamericano de Feminicidios en el marco del 25 de noviembre de 2023


O Brasil é um país com alarmantes proporções de feminicídios, assumindo destaque no cenário regional e global. Ser mulher é um fator de risco no país.

Até 31 de agosto, detectamos 958 feminicídios consumados no Brasil, o que corresponde à média aproximada de 4 casospor dia. Apesar de serem números que nos deixam revoltadas, uma vez que se trata de mortes violentas de meninas e de mulheres que poderiam ser evitadas, eles revelam apenas uma parcela do fenômeno da violência feminicida no país.

Em termos jurídicos, no Brasil, a partir da Lei nº 13.104/2015, o feminicídio é uma qualificadora que classifica como crime hediondo o homicídio cometido “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”. A lei prevê duas circunstâncias para a classificação do que se entende por “razões da condição de sexo feminino”: “I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher”

A despeito de muitos avanços já conquistados no país, na esteira das reinvindicações e proposições dos movimentos de mulheres e feministas e a par das formulações dos organismos internacionais, como as recomendações da Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), persiste uma aplicação restritiva da lei. Sendo um país com baixíssimas taxas de resolução dos crimes de homicídio, o Brasil padece com graves problemas quanto à qualidade das diligências e do acesso à Justiça, dois pontos cruciais, à luz das recomendações da Cedaw.

Da parte das autoridades policiais e judiciais e da imprensa, o modo mais comum de uso restritivo da lei do feminicídio é condicioná-la à aplicação da Lei Maria da Penha.

A Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/2006, foi formulada para garantir proteção contra a violência doméstica e familiar e é uma lei da primeira geração das legislações sobre o tema. As leis integrais, ou leis de segunda geração, ainda não repercutiram no arranjo jurídico brasileiro. Desse modo, quando se condiciona a interpretação do que é suscetível de ser classificado como feminicídio ao escopo da Lei Maria da Penha, focada na violência doméstica e familiar, um enorme universo constitutivo da violência feminicida fica invisibilizado.

A consequência é que, no Brasil, muitas mortes violentas de mulheres como feminicídios não são classificadas ou reportadas. Alguns grupos de mulheres são mais vulneráveis a essa invisibilização. Por exemplo, mortes violentas de mulheres indígenas que ficam encobertas pelos conflitos por territórios; mortes de mulheres trans que ficam encobertas pelos tantos estigmas que recaem sobre elas; mortes de mulheres com alguma participação no consumo ou comércio de drogas ilícitas, que ficam encobertas pelos crimes derivados do chamado mundo das drogas, “acerto de contas” e “vingança”.

Nessas circunstâncias, o que detectamos como feminicídios no Brasil são dados condicionados por esses filtros sociais, institucionais e organizacionais que ainda resistem em reconhecer e operacionalizar o que se entende por homicídio motivado pelo “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. Isso ocorre, em grande medida, em virtude da debilidade das diligências para a identificação da autoria dos crimes e da resistência das autoridades em adotar os protocolos e diretrizes que orientam a adoção da hipótese de feminicídio como primeira opção das investigações.

Nesse cenário, as formas de feminicídios tipificados pelo MundoSur no âmbito do Mapa Latinoamericano de Feminicídios é uma colaboração valorosa que serve de baliza e de amparo para que, como pesquisadoras, possamos olhar para além da própria interpretação das fontes oficiais e da imprensa e atribuir uma classificação mais crítica do feminicídio.

A partir de fontes não oficiais que noticiam as violências cometidas contra meninas e mulheres, a equipe do Monitor de Feminicídios no Brasil, pertencente ao Laboratório de Estudos de Feminicídios, da Universidade Estadual de Londrina, monitora a ocorrência de feminicídios em todo o território brasileiro. Esta ação é uma resposta à escassez de dados disponíveis no país.

As fontes oficiais existentes, vinculadas à segurança pública e ao Poder Judiciário, publicam dados agregados e com poucas variáveis, o que dificulta as condições para a devida compreensão do contexto em que o feminicídio ocorre. Esses dados também apresentam a limitação de dispor de atualizações anuais.

O enfrentamento do feminicídio no Brasil, portanto, requer a produção de uma cultura de dados abertos e de monitoramento contínuo. Bancos de dados com informações de qualidade permitem ampliar a visibilidade e a conscientização sobre o problema social do feminicídio. A construção de dados permite, ainda, monitorar, avaliar e embasar políticas públicas, a desconstrução de estigmas sobre as mulheres vítimas e o dimensionamento adequado da amplitude do problema.

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